“O trabalho infantil deixou-me marcas profundas na alma”. A frase do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), João Orestes Dalazen, feita no encerramento do Seminário sobre Trabalho Infantil, em 2012, é um alerta para quem ainda hoje, acredita em mitos do censo comum como o “trabalho infantil enobrece”, “melhor trabalhar do que roubar”, “trabalho não mata”, “começar a trabalhar cedo para garantir o futuro”, “eu trabalhei e não me fez mal algum”, “precisa trabalhar para ajudar a família”, “ajuda na formação do caráter” e “trabalho substitui a educação”.
Essa reflexão foi apresentada na sexta-feira, dia 11, em live da Secretaria de Assistência Social (SAS) para ressaltar o Dia Mundial Contra o Trabalho Infantil e o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Infantil, lembrados, anualmente, no dia 12 de junho. Também ao declarar 2021 o Ano Internacional para a Eliminação do Trabalho Infantil, a Organização das Nações Unidas (ONU) abre espaço para a intensificação da luta pelos direitos de crianças e adolescentes que estão sendo subtraídos em muitos países, inclusive, no Brasil. Com mediação de Maria Cláudia Dutra Siqueira, gerente do Departamento de Proteção Especial da Subsecretaria de Proteção Social e Promoção Social da SAS, a mesa digital de debate contou com as palestrantes Beatriz Caputo Weiss Xavier, advogada e mestranda em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis, e Caroline Chaves Pedro Marques, auditora fiscal do trabalho da Gerência Regional de Trabalho de Juiz de Fora/Secretaria do Trabalho/Ministério da Economia. Cerca de 60 profissionais da rede de proteção social, representantes do Conselho Tutelar e da Secretaria de Educação acompanharam o debate.
“É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”. Esse é o artigo 4º, da Lei 8.069/1990, o Estatuto da Criança e do Adolescente / ECA, ressaltado pela advogada Beatriz Xavier. O ECA considera crime a conduta de corromper ou facilitar a corrupção de menor de dezoito anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la.
A advogada e a auditora fiscal do trabalho assinalaram a proibição do trabalho infantil, segundo a Constituição de 1988 e a CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, informando que a idade mínima para trabalhar em atividades (econômicas e/ou atividades de sobrevivência, com ou sem finalidade de lucro, remuneradas ou não) é de 16 anos para trabalhos em geral e 14 anos na condição de aprendiz. Segundo elas, as restrições ao trabalho do adolescente com idade de 16 e 17 anos estão em atividades prejudiciais ao seu desenvolvimento, físico, psíquico, moral e social, em trabalhos noturno (urbano 22h às 5h, pecuária 20h às 4h e agricultura 21h às 5h), insalubres e perigosos e na realização de trabalhos em horários e locais prejudiquem à frequência escolar (Primazia da Educação).
As palestrantes exploraram, ainda, a existência de legislação complementar, fruto da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho das Organizações das Nações Unidas (OIT/ONU), ratificada e adotada pelo Brasil, em 2000, por meio do Decreto 6.481/2008, que proíbe no país o emprego de crianças e adolescentes para exercer função na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP). São mais de 90 atividades de risco, sendo 89 trabalhos prejudiciais à saúde e à segurança e quatro trabalhos prejudiciais à moralidade, expressando como piores formas de trabalho infantil, entre outras, todas as formas de escravidão, exploração sexual, tráfico de drogas e conflitos armados.
Para a auditora do trabalho Caroline Marques, o combate ao trabalho infantil para a Inspeção do Trabalho em Juiz de Fora é uma questão prioritária, permanente e urgente, além de estar intrinsecamente relacionada ao desenvolvimento da Nação. Segundo Marques são considerados tipos de trabalho infantil: doméstico, na própria casa ou na casa de terceiros; em estabelecimentos informais; por conta própria nas ruas e praias; malabares, regime familiar (urbano ou rurais, na própria residência ou externo, como mecânico, costureira), entre outros. Sobre o trabalho doméstico, a auditora do trabalho ressaltou que o trabalho doméstico com caráter formador e educativo, desenvolvido no núcleo familiar, não caracteriza trabalho infantil, quando realizado com razoabilidade, ou seja, quando não privar a criança de sua infância e não prejudicar o desenvolvimento físico, moral, psíquico e social.
Marques ressaltou que os impactos psíquicos e sociais do trabalho infantil são falta do brincar, acarretando a diminuição dos aspectos lúdicos, a retirada de oportunidades para o exercício da criatividade, da espontaneidade e da liberdade e a redução da capacidade de compreensão e expressão de crianças e adolescentes. Além disso, faz com que esse público assuma precocemente responsabilidades que causam o abandono da infância com opressões, desafios e pressões para os quais ainda não se tem maturidade para enfrentar, levando a alterações no seu desenvolvimento psicológico, causando fadiga psíquica, perda da autoestima e até mesmo à depressão. Acrescenta-se a diminuição da convivência familiar e com outras crianças e adolescentes, que dificulta a formação de vínculos afetivos e de sentimento de pertencimento ao meio social.
A auditora fiscal destacou outros impactos na educação e na profissionalização como o desgaste físico e psíquico, que prejudica a concentração e participação nas salas de aula e dificulta o aprendizado, gerando desinteresse pela escola, repetência e evasão escolar. Pesquisa da Unicef concluiu que o trabalho infantil aumenta a evasão escolar, diminui o progresso e aprovação escolar. “No futuro, a consequência para essas crianças e adolescentes será a falta de formação profissional e o ingresso no mercado de trabalho formal, restando o desemprego, subemprego (mal remunerados e sem direitos trabalhistas, muitas vezes trabalhando nas condições análogas a de escravo )”, disse Marques.
A Auditoria Fiscal do Trabalho em Juiz de Fora trata o trabalho infantil de forma prioritária e permanente que se concretiza pelas fiscalizações e conscientização da sociedade sobre os malefícios por ele causados, buscando a prevenção e erradicação. O objetivo da ação fiscal é fazer com que a criança ou adolescente seja atendido pela rede de proteção e tenha seus direitos garantidos (escolares e programas sociais), sendo que adolescentes maiores de 14 anos são encaminhados para aprendizagem (escola, formação profissional, trabalho seguro e de acordo com sua idade e direitos trabalhistas).
As ações dos auditores fiscais do trabalho na cidade buscam identificar o perfil de crianças e adolescentes (dados pessoais, escolaridade, moradia), analisar as condições de trabalho, afastando do trabalho, se for o caso, e a quitação dos direitos trabalhistas. Marques informou que tendo o adolescente 16 ou 17 anos em uma empresa, realiza-se, se possível, mudança de função e o devido registro trabalhista (permanece trabalhando, mas em atividades que não comprometam seu desenvolvimento físico, psíquico e moral). A atuação do auditor, também, inclui a lavratura do auto de infração; relatório para o Ministério Público do Trabalho (MPT), que adotará as medidas de responsabilização para o empregador explorador; coordenação do projeto realiza os encaminhamentos dos relatórios e as medidas de providência para o Conselho Tutelar, Secretaria de Assistência Social municipal, Ministério Público Estadual e outros órgãos da rede de proteção social.
Ao falar de programas para inserção de jovens e adolescentes no mercado de trabalho em Juiz de Fora, Marques ressaltou dois programas: Programa Descubra, que trata da inclusão de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, de jovens e adolescentes em situação de acolhimento institucional e de jovens e adolescentes egressos do trabalho infantil; e Programa Sofrimento Mental e Pessoas com Baixa Visão, que também fala da inclusão de jovens, adolescentes e adultos com deficiência no mercado de trabalho através da profissionalização.
Sobre o que fazer, quais as ações para prevenir e erradicar o trabalho infantil, a auditora fiscal disse ser um grande desafio, tanto nas ações de prevenção quanto de erradicação por ser um tema muito complexo já que apresenta múltiplas causas. “O comportamento cultural ainda faz a sociedade acreditar que o trabalho infantil é benéfico à formação da criança e do adolescente por desconhecerem os malefícios que o mesmo causa no desenvolvimento físico, psíquico e social”, assinala.
Quanto ao enfrentamento, Marques destacou uma combinação de esforços, coordenação e articulação de ações em diversas frentes, que somente terão efetividade se o trabalho ocorrer em rede com diversos órgãos e entidades. Ela ressaltou que, também, demanda a conscientização das famílias e da sociedade dos malefícios do trabalho infantil, o conhecimento do problema (como por exemplo saber em qual atividade econômica está o trabalho infantil) e criação de estratégias para erradicação do trabalho infantil. Por último, acrescenta-se a quebra do ciclo da pobreza com políticas de distribuição de rendas, políticas públicas relacionadas à educação e inclusão de famílias com maiores vulnerabilidades em programas sociais e inclusão de maior número de jovens na aprendizagem profissional (escola, qualificação e renda).
A gerente da DPE da SAS, Maria Cláudia Siqueira ressaltou que, em 2021, o Serviço de Abordagem identificou 36 crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil na cidade. Os casos são acompanhados pelos Centros de Referências Especializados de Assistência Social (Creas) e Centros de Referências de Assistência Social (Cras). A SAS, segundo Siqueira, está iniciando um trabalho de mapeamento mais qualificado das violações na cidade, entre elas o trabalho infantil. As atividades mais recorrentes desses meninos e meninas na cidade são mendicância, venda de produtos e malabares, com concentração nas regiões do Alto dos os, São Mateus e Centro.
Quanto ao atendimento feito pela SAS, a gerente disse que são feitos através dos equipamentos socioassistenciais da Prefeitura, fazendo encaminhamentos e acompanhamento especializados por técnicos de nível superior. Para concluir, Siqueira reafirmou que o trabalho da assistência social é feito em parceria com diversas entidades da cidade, reforçando o papel da educação e de outras ações nas áreas sociais para trilhar o caminho da erradicação do trabalho infantil na cidade.